terça-feira, 8 de junho de 2010

O Garoto Que Não Sabia Amar

            Nasceu em uma pequena cidade um garotinho. Ele era, de alguma forma, diferente. Despertou desde sempre a admiração de todos.
            Vivia uma vida normal, mas por algum motivo muito estranho ele nunca havia experimentado qualquer emoção. Sua vida consistia em uma racionalidade absoluta. Antes de qualquer decisão ele era capaz de concentrar-se na situação e analisá-la friamente para só então seguir em frente. Por isso sempre fazia as escolhas certas.
            Não foi nem um pouco difícil para ele superar aqueles que o ensinaram. Estava sempre pronto para ir além.
            Todos se encantavam com o garoto. Queriam estar na sua presença. Muitos gostavam dele. Muitas se apaixonaram por ele. Contudo, apesar de se sentir bem com tudo aquilo, para ele era como se tudo fosse indiferente. Talvez até uma perda de tempo.
            Todos lhe falavam sobre gostar e amar, mas afinal o que era aquilo? Ele jamais havia sentido quaisquer desses sentimentos. Como as pessoas podiam simplesmente se entregar às outras? Com que razão faziam isso? Era tão mais fácil viver por si do que pelos outros. Por que elas não se dedicavam a elas mesmas então?
            Jamais compreendera aqueles sentimentos. Nunca os havia sentido. Para ele, era simplesmente impossível fazê-lo. Emoções desvirtuavam a razão, e ele era racional demais para experimentá-las.
Numa noite fria ele saiu para caminhar – como fazia de costume – e refletir sobre os acontecimentos, as pessoas e o mundo. No caminho ele viu uma sombra no chão. Era a silhueta de uma pessoa, mas com asas.
            Um anjo? – pensou ele.
           Pôs-se a procurar de onde vinha aquela imagem. Olhou para o alto do morro e lá estava ele – sentado ao longe com suas asas abertas, apenas admirando a noite.
            O garoto subitamente se encantou. Era de fato um anjo, e estava ali, bem na sua frente. Ele tinha vontade de vê-lo, tocá-lo, senti-lo. Entretanto, contentou-se apenas em observá-lo ao longe. Ficou lá por horas, apenas fitando aquela figura encantadora que durante todo o tempo ficara lá imóvel, como se soubesse que era contemplado por aquele menino, que só foi pra casa quando faltava pouco para amanhecer.
            O garoto passou o dia todo ansioso. Não esperava a hora da noite chegar. Queria novamente ver aquele ser divino. Sentia-se bem só de se lembrar dele. Estava experimentando sentimentos intensos que ele nunca havia sentido. O que era aquilo? Por que nunca experimentara aquilo antes? – se perguntava ele.
Ao cair da noite ele foi de novo ao lugar que estava no dia anterior. Ficava lá apenas observando aquele ser angelical. Assim o fez por durante uma semana. Saindo de casa somente para admirar seu anjo ao longe. Anjo, que por sua vez, parecia estar lá todas as noites esperando por ele.
            Os sentimentos do menino só aumentavam. Era como se fogos de artifício explodissem em seu peito. Apenas contemplar ao longe aquele ser divino não era mais suficiente para ele. Não conseguia mais se conter. Em uma noite ele correu até o alto do morro para ficar perto do seu anjo.
            Lá estava aquela criatura angelical, estática e fria, feita do mais puro mármore.
            O garoto olhou pra ele. Estava atônito. Não podia ser verdade. Seu anjo era de pedra. Justo o seu anjo?
            Tentou falar com ele, tocá-lo, olhá-lo no fundo dos olhos e declarar seu amor. Gritou por ele até que não teve mais forças e caiu em prantos. Porém, nada disso adiantou. O anjo de pedra continuava ali, parado. Era completamente indiferente a tudo que o garoto fazia.
            O menino abraçou a estátua enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto. Um sentimento terrível tomou conta dele. Uma tristeza tão profunda que o sufocava, o corroia por dentro. Sentia no peito uma dor que jamais havia imaginado.
            Então era aquilo o amor? Era esse sentimento completamente vil que as pessoas esperavam que ele sentisse? Antes nunca o tivesse sentido. Era como se aquilo o consumisse por dentro, e ele nada podia fazer.
            Aos poucos o sentimento em seu coração foi se transformando. Passando do profundo amor ao ódio mortal. Ele não queria mais sofrer. Enxugou as lágrimas e empurrou a estátua morro abaixo. De lá ela caiu e se despedaçou. Vários pedregulhos se espalharam pelo chão.
            O garoto, ao ver a cena, desejou poder trocar seu coração por uma daquelas pedras. De certa forma foi o que ele fez. Depois de todos seus sonhos desmoronarem bem diante de seus olhos ele jurou nunca mais amar.

Fim

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