quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Homem do Espelho

            Eram seis horas da manhã, ele acabara de abrir os olhos. Ficou alguns minutos olhando fixamente para o nada até criar ânimo para se levantar. Sentou-se, esticou os braços e se levantou. Foi até o banheiro, lavou o rosto, escovou os dentes e voltou para o quarto. Cuidou para que não acordasse a mulher, que estava deitada na cama. Acendeu a luz do abajur, pegou suas roupas no guarda-roupas e se trocou. Vestiu-se com aquela desconfortável camisa que sempre usava no trabalho e aquela gravata apertada. Antes de sair fitou sua mulher com um olhar triste e, com o coração frio a beijou.
            – Eu te amo – disse ele.
            Ela nem mesmo o ouviu, mas ele tinha cumprido com sua obrigação.
            Ele desceu, comeu aquele mesmo pão que a empregada doméstica sempre comprava e preparava para ele da mesma forma todos os dias, tomou o seu café, – forte, com duas colheres de açúcar – como de costume. Pegou o paletó e as chaves do carro e saiu.
            Chegou no trabalho. Estavam lá seus colegas, dos quais muitos ele já não suportava ver. Não suportava as mesmas conversas e as mesmas falsidades. Não suportava mais o chefe, que tratava a ele e os outros com desprezo, mas a quem ele sempre devia responder com um sorriso amarelo e um “Está bem, senhor”.
            Trabalhou, fazendo aquele mesmo trabalho de sempre que ele nunca gostara, mas era o que ele tinha e o que o sustentava, aquele que propiciava a ele aquela vida cotidiana e rotineira. Não podia reclamar.
            Foi almoçar no restaurante de costume e fez um prato semelhante ao de todos os dias. Até mesmo o peso, visto na balança, variava pouco. Terminou de comer, tomou seu café, fumou um cigarro e voltou para a empresa, onde terminou o dia sorrindo, ainda que contrariado, para o chefe e os colegas de trabalho.
            Pouco antes das dezenove horas, depois de alguns minutos no trânsito, ele estava novamente em casa. Abriu a porta, pendurou o casaco e as chaves e avisou a mulher da sua chegada. Ela veio e sorriu para ele. Ele sorriu de volta, deu nela um abraço e beijou-lhe o rosto – pois ele sabia que era aquilo que ele devia fazer.
            Conversou com a esposa, jantou e assistiu um pouco de televisão. A mulher, como sempre, foi se deitar mais cedo e ele continuou lá por mais algum tempo. Desligou a TV, pegou o jornal que ficava sobre a mesa da sala e subiu as escadas. Ele gostava de ler as notícias no quarto, antes de dormir. Ligava o abajur e lia as tristes e trágicas notícias dos crimes de violência e na política, que serviam para alimentar ainda mais seus pesadelos.
            Ao fim das escadas ele tomou o corredor que levava ao quarto. Já estava tão acostumado com aquele caminho que nem precisava acender a luz para se guiar. Contudo, nesta vez ele teve que fazê-lo. Assim que chegou no andar de cima o jornal escorregou de suas mãos e caiu, espalhando algumas das folhas. Ele acendeu a luz e se agachou para poder juntá-las.
            Quando se levantou ele viu um espelho ao fundo do corredor, entretanto, não era sua imagem que ele refletia. Então ele se aproximou para ver mais de perto. Fitou o espelho e enxergou através do vidro não o seu reflexo, mas o de um velho decrépito. Um homem sem vontades, ambições ou sonhos.  Um velho, de quem o tempo já havia roubado o vigor e as esperanças, e que de tão conformado apenas viveu... sempre em função daqueles que estavam a sua volta, sempre em função dos outros. Um homem sem realizações, sem alegria e sem brilho.
            Viu então transbordar daqueles olhos e escorrer sobre aquela face uma lágrima. Uma lágrima que era realmente sua, que escorria daqueles olhos vazios e descrentes que eram de fato dele e que choravam o luto por aquele corpo e por aquela vida que eram, na verdade, os seus.



Fim

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