segunda-feira, 26 de julho de 2010

Fatalístico

            Com uma moeda em mãos ele se dirigia faceiro até a venda para comprar um caramelo. Mas, surpreendido no caminho por uma mulher de meia idade, parou. Ela pedia em nome de Deus uma moeda que pudesse lhe servir para comprar um alimento para a filha – aquela criança, com pouco menos de um ano de vida, que ela carregava nos braços.
            Aqueles olhos lhe pareceram puros e sinceros – aos seis anos todos pareceriam – e ele crente, como a mãe beata que o criara, não poderia negar àquela senhora a única moeda que tinha para salvar a filha da fome que ele nunca sentira. Ainda mais por um pedido feito em nome do Deus que provia a comida que o fartava todos os dias.
            A mulher pegou a moeda com gosto, sem importar que ele fosse um garotinho. Mas em pagamento tomou-lhe as mão direita e disse:
            – Jovem menino. Por ter me dado essa moeda de bom grado, em nome de Deus, nosso Senhor, lhe revelarei o futuro escrito na palma de sua mão. Muito me alegro em dizer, e espero que assim também faça você ao ouvir-me, que, ainda jovem, contará com a sorte e comprará um bilhete premiado que o fará rico. Será devidamente recompensado por essa humilde quantia que dera a essa cigana.
            O garoto nada disse àquela mulher. Correu ansioso para casa. Não podia esperar que lhe dessem mais uma moeda para poder comprar o seu primeiro bilhete. Aquele que lhe traria a tão estimada sorte, que ele estava fadado a ter.
            Desde então todo o pouco dinheiro que lhe davam ele guardava. Juntava as poucas moedas que ganhava até poder comprar um bilhete, na esperança de que aquele seria o último e lhe daria o tão valoroso prêmio. Contudo, nunca o era. Sempre era obrigado a ter esperança no bilhete seguinte.
            Os anos se contavam e o tão esperado dia nunca chegava. Certa vez, com seus vinte e poucos anos, farto daquilo, decidiu tirar satisfações com o destino. Procurou por toda cidade uma vidente que pudesse lhe dizer por que sua sorte decidira mudar.
            Em um bairro afastado encontrou uma pequena barraca. Foi adentrando sem chamar por ninguém. Pegá-la-ia de surpresa. Não daria ao destino tempo de se preparar para dissimular-se.
            A senhora estava lá, sentada atrás de sua bola de cristal. Ele entrou e foi logo vomitando tudo o que passara e a questionando porque ainda não recebera a recompensa que lhe fora prometida. Ela, numa calma profunda, lhe respondeu:
            – Acalme-se, meu jovem. O que lhe foi prometido ainda haverá de ser seu. O que o destino te reservou será dado ainda. Contudo, é preciso que espere que o tempo chegue. Foi-lhe prometido recebê-lo ainda jovem. Mas por quantos anos ainda haverá de durar a sua juventude?
            Ele acalmou-se e desculpou-se pela sua rudeza. Agradeceu à senhora e pagou-lhe o preço da consulta. Despediu-se dela e dirigiu-se à saída. Mas antes que pudesse fazê-lo ela o chamou:
            – Meu rapaz, o artefato místico – disse, referindo-se à bola de cristal – obriga-me a alertá-lo que, mesmo que afortunado, cuide os automóveis, pois me é revelado um acidente em que você, ainda moço e rico, se despedirá da vida. Digo-lhe ainda que te cuide não só como piloto ou passageiro. A imagem que vejo é obscura. Não posso lhe dizer com certeza o que tem nela.
            Essa fala atacou-lhe como uma punhalada. Talvez fosse o destino querendo se vingar de suas dúvidas e insatisfações. Ou talvez fosse o próprio Deus, Enraivecido com seus pecados. Porém, não importava o que fosse, suas preocupações eram agora com sua vida.  Temia por ela. E não era por menos, ver um automóvel era, para ele, o mesmo que deparar-se com a face da morte.
            Passou cada dia do resto de sua vida evitando aquele tão desgraçado acidente. Sempre dividido entre sair de casa, arriscando-se para buscar o bilhete premiado, ou, aconchegado em seus aposentos, evitar o terrível fim que lhe era aguardado.
            Os anos tomaram-lhe a juventude e o prêmio jamais viera. E mais um dia ele estava lá, estatelado na cama, esperando que por mais uma vez conseguisse enganar o destino e evitar seu trágico final. Morreu à míngua, de velho que era; deitado em sua própria cama, e sem nunca receber um tostão. Talvez o prêmio fosse o preço que o destino havia lhe cobrado pela vida, refletia ele. Mas quanto lhe valera a última? Pois fora ela inteiramente desperdiçada pelas suas crenças banais.

Fim

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