sexta-feira, 23 de julho de 2010

Do Mundo como ele é...

            Era um velho, rabugento e carrancudo. Tinha poucos amigos, muitos a vida e o tempo lhe haviam tirado, outros – segundo ele – não mais mereciam ser chamados assim. Somente a um chamava amigo com gosto.
            Já não tinha entusiasmo e poucas coisas ainda lhe despertavam certa admiração. Era completamente descrente de tudo e de todos. “Confiar é tolice”, dizia. “Sentimentos são coisas estúpidas. Foi-se o tempo em que os homens tinham virtude”, concluía – com a fala de quem estava calejado dos tombos que a vida lhe dera. 
            Jurava que jamais voltaria a sentir algo por alguém que não fosse ele mesmo. “Aquele que ama unicamente a si é o que prospera. Pois hoje, vocês haverão de concordar, não se fazem amores como os de antigamente, daqueles em que você podia se entregar e confiar”. Discursava lembrando-se da única vez em que amou. Um amor platônico de uma paixão fulminante que, por ironia do destino, jamais se fez cumprir.
            Mesmo que ela tivesse quinze anos e ele dezesseis juravam amor e lealdade eternas. Faziam planos de se amarem, enamorarem-se, e nunca se separarem um do outro. Mas bastaram poucos meses e ela se mudou para a capital. Não mais trocaram uma única palavra sequer.
            Deitou-se, enamorou-se e até casou-se com outras mulheres; envelheceu; enviuvou-se, sem, entretanto, nunca esquecer aqueles olhos que traziam o único amor em que ele já pode acreditar.
            Contudo o acaso haveria ainda – mesmo que ele estivesse velho e sem ânimo pra surpresas – de lhe pregar uma peça.
            Estava ele lá, preparado mais uma vez para um de seus discursos niilistas, quando a viu. Décadas haviam se passado, mas olhar algum seria capaz de encantá-lo como aquele. Sem dúvida nenhuma, era ela. Ela havia se enviuvado havia alguns meses e, cansada da cidade grande, decidiu voltar para o interior.
            Mesmo que no fim da vida os céus haviam resolvido lhe dar uma chance. Não teria esperado em vão. Talvez a vida não fosse tão sem sentido assim.
            Trocaram olhares, falaram-se e amaram-se. Lamentaram o tempo que perderam e culparam o destino pelas suas infelicidades. Fizeram novas juras e planos de ficarem juntos até o fim da vida.
            Casaram-se. Ele vivia agora a tão sonhada felicidade que só poderia experimentar ao lado de sua amada. Voltara até a acreditar em tudo aquilo de que a vida lhe fizera duvidar.
            Certo dia, porém, ele resolvera voltar mais cedo pra casa para fazer uma surpresa para sua senhora. Levava flores e um belo sorriso no rosto. Contudo, ao abrir a porta, se deparou com ela aos beijos com o único a quem ele tinha convicção de chamar de amigo. A vida lhe pregava mais um golpe.
            Não importava a data, amores seriam sempre amores, homens seriam sempre homens; e o mundo seria sempre cinza.

Fim

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