segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Brincando de Machado Pt. III

            O bilhete dizia dezesseis horas, mas o sino não batera ainda as quinze e já estava eu pronto, angustiado, andando de um lado para o outro. Ainda me lembro, como se fosse hoje, daquela ânsia em vê-la, da minha inquietude – maldita seja! Mas não nos adiantemos; seria passar o carro na frente dos bois. Eu afrouxava e apertava novamente a gravata – devo tê-lo feito umas vinte vezes naquele intervalo –, olhava no espelho, penteava os bigodes, ajeitava o paletó; não adiantava muito, porém. Mesmo que eu repetidas vezes fizesse todo esse ritual, o relógio não parecia ser um bom amigo naquele momento; pouco mais do que vinte minutos haviam se passado.
            Se me visses ali, jamais me imaginarias um homem feito, graduado em renomada universidade de ciências contábeis. Verias, provavelmente, um garoto, que no auge da sua juventude, se apaixonara, vivendo seu primeiro amor. Ela não foi, claro, o primeiro amor que tive; fica sabendo, todavia, que eu me portava como tal.
            Talvez fosse melhor ir andando, pensei. Assim eu mataria o tempo e poderia, quem sabe, encontrar alguém no caminho e conversar um pouco; isso me distrairia dos ponteiros.
            O fiz. Saí de casa e fui, lentamente, caminhando até o cais e imaginando o tão esperado momento. Encontrei alguns conhecidos, trocamos algumas palavras, que provavelmente não te interessas em sabê-las, e nem eu em lembrá-las, se é que eu conseguiria fazê-lo, uma vez que em poucos segundos de prosa eu já me dispersava. Notei em alguns olhares desconfortáveis com minha falta de atenção, contudo, falar com eles não me era de grande importância.
            Faltava-me ainda um pouco de tempo até o encontro quando cheguei ao cais. Ainda que afoito, esperei. O que mais me restava fazer? Depois de algum tempo a vi. Caminhava lentamente, como se procurasse por mim. Observei-a por uns instantes antes de me aproximar. Fui até ela. Não me tinha visto ainda. Toquei com leveza seu ombro para que se virasse.
            – Receei que não viesses. – Disse-me quando virou para ver quem lhe tocara e me avistou. Então sorriu.
            – Hesitei por algumas vezes em fazê-lo. Temi que o bilhete não fosse teu, ou não fosse para mim.
            – Para quem mais haveria de ser? – Disse-me, ainda com sorriso nos lábios. – Isso não importa. Mas sim que vieste.
            Doces palavras. Ao ouvi-las, me fiz mais próximo de Anita e tomei suas mãos.
            – Não sabes como ansiei por esse encontro. Desde o dia que foste em casa levar o recado de teu pai que desejo encontrá-la.
            Sentiu-se bem em ouvir minhas palavras, demonstrou satisfação deveras. Confessou-me depois que há muito já me olhava com outros olhos. Quis dizer o mesmo a ela. Não pude, contudo. Sempre a vira como uma criança impertinente, que atrapalhava os assuntos quando eu, tentando tornar-me homem antes da hora, fingia entender os negócios de nossos pais. Mas agora os tempos eram outros, sua beleza e suas curvas me encantavam; se antes eu a tiver nas mãos, agora era ela quem me em suas próprias.
             Trocamos algumas palavras e carícias, nos declaramos, e por fim, num deleite, o tão sonhado beijo. Aproximou-se lentamente de mim e tocou, suavemente, os seus lábios nos meus. Senti-me atônito, nada mais pude fazer do que apreciar tão prazerosa sensação.
            – Tenho que ir agora. – Disse-me.
            Tentei impedi-la de fazê-lo, mas não pude. Havia dito ao pai que iria à feira e não se demoraria. Não podia ficar mais. Compreendi. Puxei-a para junto de mim novamente a fim de nos despedirmos. Tocou-me rosto com as mãos e falou-me:
            – Antes que eu me esqueça: não deves contar a ninguém sobre nosso encontro.
            – Por quê? - Indaguei.
            – Papai estava a arranjar-me um casamento por interesses políticos. Pode vexar-se. Dê-me tempo para convencê-lo de que não o farei. Logo estaremos juntos.
            Cheguei a mover os lábios a fim de contestá-la, dizer que tantos me consideravam um bom partido, seu pai não seria diferente, haveria era de contentar-se com a notícia. Antes, porém, que minha boca pudesse emitir qualquer palavra, calou-me com um beijo. Calar-me-ia e convencer-me-ia quantas vezes quisesse com aqueles lábios. Concordei. Ela partiu.  

6 comentários:

  1. Durt, não sei quantas vezes já lhe disse isso, mas tu escreve muito bem. Você faz com que o texto seja prazeroso de ler, é uma linguagem objetiva e clara. Parabéns, Brincando de Machado pode render um bom livro.

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  2. Obrigado, Verônica!
    Quem dera eu realmente conseguisse fazer isso aqui render um livro. ^^

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  3. velho , que massa...
    É bastante prazeroso ler seus textos, parabéns!

    Ps.: Brincando de Macahado (I, II, III) são os melhores.

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  4. Obrigado! Logo teremos a parte IV. ^^

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  5. Deveras maravilhoso! Empolguei-me do início ao fim. Ah, estava vendo os comentários anteriores sobre publicar um livro, sim, renderia muito, viu? Irei datilografar todos os meus contos e guardá-los numa caixinha, quero guardá-los pra mim. Por que não guarda seus textinhos também? Esperando a continuação.

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  6. Nossa, Arianne, muito obrigado mesmo! Que bom que está gostando. logo postarei a parte IV. Eu tenho todos os textos em formado de doc. Irei imprimi-los e guardá-los. ^^

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